Evento dos ‘16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher’ discute como quebrar o ciclo de violência

O juiz Dr. André Luiz Tomasi de Queiróz abordou medidas que podem ser adotadas pelo Estado e sociedade para quebrar a continuidade das violências; a promotora Dra. Luciane Rodrigues Antunes alertou sobre as violências de gênero sofisticadas

Com grande presença de homens, quase todos servidores públicos de Várzea Paulista, o Município realizou um evento impactante da campanha internacional “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher”, nesta sexta-feira (29). No Hotel Orquídea, o Juiz de direito da 1ª Vara da Comarca de Jandira, Dr. André Luiz Tomasi de Queiróz, palestrou sobre medidas para destruir a cultura machista e quebrar o ciclo de violências. A promotora da Vara da Infância e Adolescência de Várzea Paulista, Dra. Luciane Rodrigues Antunes, esposa dele, abordou o perigo das violências de gênero sutis, que podem ter consequências trágicas.

 O evento foi realizado pela Unidade Gestora Municipal de Desenvolvimento Social, em parceria com o setor de Políticas Públicas para Mulheres e o Creas (Centro Especializado de Assistência Social). A campanha é realizada de 25 de novembro a 10 de dezembro.

Como interromper o ciclo da violência?

Para o magistrado, é muito necessário que, cada vez mais, seja desfeita a visão equivocada sobre o papel da mulher na sociedade e sobre a violência de gênero. Os homens precisam aprender, desde a tenra idade, que todos os gêneros — homem, mulher e todos os não heterossexuais — são iguais e merecem o máximo respeito e um comportamento pacífico e acolhedor. Segundo ele, não basta as punições para violência familiar serem duras. É preciso que as próximas gerações não aceitem ou tolerem, de forma alguma, comportamentos violentos, mesmo os mais sutis, de forma presencial ou pelas redes sociais. “A mulher não é uma servidora do marido”.

Além de fazer vítimas de feminicídio, por exemplo, crime bárbaro que Queiróz enfrenta com muita frequência em seu trabalho como juiz, um ambiente violento dentro de casa (independentemente de a violência ser física ou não) pode provocar, inclusive, uma certa naturalização da violência e do machismo nas crianças, que têm os pais como espelho e podem passar a ser violentas na escola, por exemplo. A sexualidade precoce é outra consequência possível.

“Assim como a natureza como um todo, o ser humano, quando vivencia a violência, tende, por instinto, a querer perpetuar a espécie. Daí pode surgir a atividade sexual precoce, que pode gerar um aumento populacional e pais muito novos que, inativos economicamente, serão dependentes dos antepassados, como as avós, por exemplo. Um problema leva ao outro, sucessivamente”, declarou.  

O juiz citou várias ações que o poder público pode adotar para romper o ciclo de violência, como, por exemplo, o atendimento rápido a mulheres que conseguiram fazer a denúncia, algo que demanda, muitas vezes, um esforço grande, uma vez que a dependência emocional passa a ser até mesmo química. Elas se sujeitam a viver sob violência por estímulos alheios à sua vontade. Caso contrário, motivada por conselhos equivocados de familiares ou pela volta do receio de ter dificuldades financeiras para si e/ou os filhos, ela pode desistir da denúncia, por exemplo.

O trabalho de conscientização e verdadeiro empoderamento feminino deve ser contínuo, segundo o servidor. “A educação é importante. Quando falamos do fortalecimento da mulher, não é do físico, mas, sim, de consciência, da percepção do quão inaceitável é aquele estado de violência no qual ela se coloca involuntariamente, porque ela se sujeita como se fosse normal, com pensamentos como ‘Minha mãe apanhava e apanhava muito mais. Ele só me dá uns empurrões’ ou ‘Ele é um homem bom. Ele trabalha’. Falam como se o fato de trabalhar tornasse o homem bom”, afirmou.

Também faz muita diferença o atendimento especializado, por parte do Conselho Tutelar, a crianças e adolescentes com perfil violento, para saber se há violência em casa para, dessa forma, buscar evitar que essas pessoas se tornem agressoras no futuro. Outras ações que defendeu são: acompanhar de perto os casos de gravidezes precoces, para dar o suporte psicológico às mães e famílias e identificar possíveis violências anteriores; e prestar um bom atendimento nas delegacias, quando há denúncias, também é importante.

E cabe à sociedade como um todo não se omitir em casos de violência de gênero, de pai para filho, etc.. Hoje em dia, há diversos canais de denúncia anônima, inclusive. “Preservar e respeitar a integridade física e psicológica do próximo, independentemente do seu gênero, é o que nos faz ser humanos”, declarou o juiz.

Ainda há muito a avançar

A promotora da Vara da Infância e Adolescência do Ministério Público da cidade, Dra. Luciane Rodrigues Antunes, esposa do magistrado, também lembrou que violências mais sofisticadas e sutis como a falta de uma divisão justa das tarefas do lar ou mesmo relegar à mulher o papel de sempre ter de ir a reuniões escolares ou sobre serviços sociais municipais.

“O papel do homem ainda é muito diferente do exercido pela mulher na sociedade, porque ele é, de fato, o único que tem liberdade verdadeira. Por exemplo, ele tem a liberdade de decidir se vai ou não acompanhar o filho na escola, porque, primariamente, essa obrigação é da mulher. Quando os dois trabalham, em 99% das casas, a mulher é que faz o jantar. Isso é muito sutil, muito refinado”, afirmou.

Para a jurista, essas pequenas violências, por levarem as crianças à naturalização da ideia de inferioridade feminina, podem provocar comportamentos violentos nas futuras fases da vida, até mesmo como os trágicos feminicídios citados pelo juiz, na palestra. Os dois, como casal, procuram passar uma outra visão de mundo às filhas. “Temos duas filhas mulheres e a referência que queremos ser para elas é de liberdade, de que elas tenham liberdade para ter ou não filhos, mas com alguém que divida verdadeiramente tudo”, concluiu.

Antunes também lembrou que a representatividade feminina ainda precisa aumentar bastante, inclusive entre as autoridades.

Denuncie!

Quem optar por fazer a denúncia de forma não presencial tem vários canais para realizá-la, de forma anônima, 24 horas por dia: o aplicativo Está Acontecendo, criado GCM (Guarda Civil Municipal) varzina para deixá-las mais ágeis (disponível no Android e iOS), ou os telefones: 153 (GCM); 180 (Disque Denúncia); 190 (Polícia Militar) e 197 (Polícia Civil). Todos esses órgãos recebem a denúncia e fazem o encaminhamento adequado da mulher para o atendimento necessário.

O atendimento presencial na Delegacia também é feito 24 horas por dia, na Avenida José Rabelo Portela, 417 — Jardim Maria de Fátima.

 Avanços em Várzea Paulista

O vice-prefeito da cidade, Fernando Pasqualino, que representou o prefeito professor Rodolfo Braga, ausente em função de um compromisso inadiável com o Governo Estadual, informou que o município conseguiu reduzir, os problemas da violência contra a mulher e da vulnerabilidade social. Várzea Paulista inclusive recebeu do CFA (Conselho Federal de Administração), em um ranking para cidades com características específicas ao longo de 2023, a nota 10 no quesito vulnerabilidade social.

Segundo o mandatário, a administração municipal está de braços abertos para se aprimorar cada vez e colocar em prática as ações abordadas no evento, com o fim de reduzir cada vez mais a violência de gênero. “Como líderes e políticos, temos que acolher as políticas propostas pelo judiciário e forças de segurança”, declarou.

Uma das iniciativas já bem-sucedidas na cidade é o Projeto Guardiã Maria da Penha, parceria entre a Guarda Civil Municipal e o Ministério Público para atender mulheres vítimas de violência.

O gestor municipal de Desenvolvimento Social, Leandro Marques, ressaltou o trabalho realizado pela pasta, através do setor de Políticas Públicas para Mulheres e do Creas (Centro Especializado de Assistência Social). “Estamos empenhados em acolher da melhor maneira as mulheres de nossa cidade vítimas de violência. Unimos esforços com trabalhos intersetoriais e nossos servidores estão em constante atualização, para realizar o melhor trabalho possível para a nossa população”, informou. “Que os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher seja um momento de reflexão para a nossa sociedade”, finalizou Marques.

Outros destaques

A guarda municipal Gisele Silva, que faz parte do programa Maria da Penha, brindou os presentes com uma bela interpretação do sucesso sertanejo Evidências e o poeta varzino Onésimo Mizani declamou bonitos versos contra a violência, contendo uma exaltação à força das mulheres. A loja Vita Joias, da empresária Fernanda Defina, grande apoiadora da causa contra a violência, sorteou dez brindes para os homens presentes poderem presentar mulheres, como as esposas, por exemplo.

Entre as várias outras autoridades presentes, estiveram o gestor municipal de Governo e Administração, João Paulo de Souza; o presidente da Câmara Municipal, Dr. Eliseu Notário, o capitão da Polícia Militar da cidade, Henrique Drezza, e o comandante da GCM (Guarda Civil Municipal), Dejair Pellini.