Tião Rocha: “Precisamos sair da fôrma para não virar formol”

Durante palestra em Várzea Paulista, educador popular defende mudanças no sistema de ensino e apoia a participação popular na administração

De quantas maneiras diferentes e inovadoras eu posso fazer qualquer coisa?”. Com este questionamento o antropólogo e Educador popular Tião Rocha fomentou o debate ‘Educação Popular e Desenvolvimento Comunitário como ferramenta de intervenção no território’, realizado nessa quarta-feira (05), no auditório da UniAnchieta em Várzea Paulista.

Promovido pela secretaria de Assistência Social, o evento contou com a participação de dezenas de educadores, conselheiros e membros do Orçamento Participativo, representantes dos CRAS e da equipe de Poupança Comunitária. A palestra abriu os trabalhos de planejamento dos territórios trabalhados no programa ‘Entrando na Rede’ e na proposta de Desenvolvimento Comunitário do município.

Para a secretária de Cidadania e Assistência Social, Giany Póvoa, é necessária a participação de todos para se pensar em intervenções que façam a diferença. “Todos nós somos educadores, não é uma coisa que fica restrita dentro de uma sala de aula”, explica.

Tião iniciou sua palestra questionando os moldes da Educação. Para ele, educadores são diferentes de professores, pois eles se permitem a aprender. Segundo o educador, uma nova forma de ensinar ou administrar nasce ou da dificuldade ou do questionamento.  “É um desafio, você compra a briga ou não. É possível educar crianças com a leitura debaixo de um pé de manga”, defende.

A partir destes propósitos foram elaborados os ‘não objetivos educacionais’, projeto do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, fundado por Tião. Uma visão crítica sobre o ensino formal no país, expressando um olhar apurado quanto aos potenciais de educadores e educandos. “Formular objetivos é fácil demais: basta colocar um verbo na forma infinitiva e depois encher de linguiça”, avalia. “Prefiro usar o verbo ‘paulofreirar’, que só se conjuga no presente do indicativo: eu ‘paulofreiro’, tu ‘paulofreiras’ e por aí vai. Não existe ‘paulofreiraria’”, explica Tião, brincando com um dos pioneiros em Educação Popular, Paulo Freire.

Para Tião, “a escola não precisa ser um serviço militar obrigatório aos sete anos”, compara. “Ela pode ser prazerosa. Aí eu coloco um indicador: a escola ideal deve ser tão boa que professores e alunos desejem aulas aos sábados, domingos e feriados. Hoje, temos exatamente o contrário.”

Protagonismo popular

Incluir a comunidade nas decisões e promover seu desenvolvimento através de ações propostas pelos moradores também foi um ponto discutido durante a palestra, e bem exemplificado. “Em Araçuaí, mais de 90% das crianças que tinham estudado até a 8ª série estavam numa situação chamada insuficiente. Criamos um pequeno exército de mães educadoras, agentes comunitárias de educação, que tinham que usar o que sabiam para salvar do analfabetismo cada criança. Então, uma senhora falou: ‘A única coisa que eu sei fazer é biscoito. Os meninos podem aprender fazendo isso?’ E eu falei: ‘Podem, aprendem fácil’. Na hora em que eu estava terminando a conversa, eu lembrei de perguntar o nome e ela disse: ‘O nome é biscoito escrevido’ e eu respondi: ‘Se o nome já é esse, a gente pode escrever qualquer coisa’. Daí eu estimulei os meninos a escreverem seus nomes com a massa do biscoito. Só comia o biscoito quem escrevesse. Teve criança com bico e eu perguntei: ‘O que aconteceu? Não conseguiu escrever seu nome?’ e ele disse: ‘É que eu chamo José, e ele lá chama Washington’”, relembra.

Para o antropólogo por formação acadêmica, educador popular por opção política, folclorista por necessidade, mineiro por sorte e Atleticano por sina – como se autodenomina – é preciso estimular a população a se questionar no que ela pode fazer para melhorar a comunidade. Mostrar que todos os espaços podem ser de aprendizado, transformar um município em uma cidade educativa.

“Precisamos mudar as formas de administrar e educar. Sair da fôrma para não parar no formol, no que é morto. Todos nós temos algo para ensinar e isso deve ser explorado”, finaliza Tião Rocha.

Desenvolvimento Comunitário

A metodologia de Desenvolvimento Comunitário em Várzea Paulista é desenvolvida em três etapas. A primeira foi concluída recentemente e consistiu na realização de “Caravanas Exploratórias”, realizadas pelos três CRAS (Centros de Referência da Assistência Social) do município. Cada um deles elegeu um bairro prioritário de sua região de atendimento e desenvolveu um questionário dirigido os moradores. As perguntas eram bastante variadas, com questões relacionadas às melhorias necessárias no bairro e sobre habilidades ou dons do entrevistado, além de informações sobre o número de pessoas da família, a renda mensal e as relações sociais, entre outras perguntas.

Com a conclusão das Caravanas Exploratórias, desenvolvidas em todas as regiões do município, foi promovida a mobilização social e os projetos de intervenção. A primeira consistiu na realização de assembleias com a participação dos técnicos das diversas secretarias, conselheiros municipais e da população em geral, para organizar os dados coletados e eleger as prioridades. Nesta etapa, foram eleitas Comissões Populares, que têm a função de acompanhar a execução dos projetos eleitos, que atualmente estão no início da fase de execução.

Tião Rocha

Formado em Bacharelado e Licenciatura em História pela PUC (MG), em 1974, Tião Rocha é mestre e doutor em Antropologia Cultural pela UNB e Museu Nacional (RJ), respectivamente e tem seu segundo mestrado em Cultura Popular e Folclore. Ele é considerado um dos melhores educadores populares do Brasil.

Atualmente ele é presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento e do Banco de Êxitos,a lém de ser considerado Líder Social do Brasil. Membro de diversas associações e entidades nacionais e internacionais, como a Aideca (Asociación Iberoamericana de Desarrollo de Artesanias / Espanha)  e a Associação Brasileira de Antropologia,  Tião foi professor universitário em diversas instituições brasileiras e também secretário municipal de Educação em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG).

É ex-consultor do programa Petrobras de Cultura e tem dezenas de livros publicados, entre eles “Sabores & Cores das Minas Gerais”, “Calendário Folclórico Brasileiro”, publicado pelo INIDEF, Venezuela, além de artigos e reportagens sobre a cultura brasileira e seu regionalismo entre outros temas.