Varzino desde 1975, após viver muitas situações, encontrou no conhecimento a grande resposta de sua existência
“Um dia, parei para pensar: o que é esse vazio?”. Essa foi a pergunta que sempre perseguiu Luíz Jacinto Romero, 65 anos, participante da EJA (Educação de Jovens e Adultos) na escola Prefeito João Aprillanti, Vila Santa Terezinha. Vindo do Paraná na década de 1970, o varzino tem uma vida de muito trabalho, contato com a família e amigos diversos. Após um longo caminho percorrido, o jardineiro descobriu, há bem pouco tempo, a resposta que mudaria sua vida: o conhecimento era o que faltava para sua realização pessoal.
A trajetória estudantil de Romero começa aos seus 12 anos, em Boa Esperança, no Paraná. Além de ajudar seu pai, que era agricultor, o jovem iniciou os estudos. Luíz estudou até o terceiro ano existente naquele momento e aprendeu a ler e escrever. Foi então que decidiu sair da escola e passou a ficar apenas nos trabalhos do campo, nos quais permaneceu até os 23 anos de idade. “No meu pensamento, achava que já sabia tudo e não precisava estudar”, relembra.
Nessa idade, resolveu vir para São Paulo. Após trabalhar por três meses na capital, mudou-se para Jundiaí, mas gostou mesmo é de Várzea Paulista. “Eu me senti bem em Várzea Paulista, cidade das orquídeas”, conta, sorridente.
Já no Paraná, o estudante tinha a sensação de que faltava algo, mas não sabia exatamente a razão. Após trabalhar por um bom tempo em várias empresas de Várzea Paulista e região, o vazio se intensificou e Romero começou a se questionar sobre essa lacuna. Mesmo com os pais e irmãs vivendo junto dele, após comprar um terreno em Várzea, a ausência de algo perdurou. Apesar da presença das duas filhas, que decidiram ficar com ele após a separação de sua esposa, e da companhia de muitos amigos, a resposta existencial ainda faltava.
“Meus amigos me diziam: o negócio é se divertir. Comecei a ir a baladas, mas, ao voltar delas, da igreja e outros lugares, o vazio continuava”, relata.
A resposta
Há poucos anos, Romero começou a trabalhar na antiga metalúrgica Dal Santos, de Jundiaí e uma namorada lhe deu uma dica que mudaria minha sua vida no futuro. “Ela me disse que esse vazio poderia ser resolvido com amor à vida, amor a mim mesmo e me indicou uma terapia para a mente, com o padre Genival, da Paróquia São Roque: a oração de amortização”.
No trabalho para compreender a si mesmo, o varzino caiu na realidade: “Eu trabalhava na empresa e via meus companheiros sendo promovidos e finalmente percebi: está me faltando escolaridade, conhecimento. Na amortização, eu falei em frente ao espelho: me falta um amigo e percebi que ele era, na realidade, a escola, aprendizado, para ser cidadão”, explica.
Pouco depois, na década de 2000, uma amiga disse a Luíz que daria aulas para adultos no Jardim Buriti, onde ele mora. O munícipe se interessou, mas, após três meses, por questões administrativas da Prefeitura, as aulas tiveram de ser interrompidas. Mesmo assim, a curta experiência lhe deu a certeza de que esse era o caminho para preencher o vazio de sua vida. “Pensei: é disso que preciso para ser cidadão”. Com facilidade para tecer poemas, o esforçado trabalhador tinha nisso mais uma motivação para estudar: “Eu me considero um poeta e um poeta precisa ter boa leitura, saber conversar e se comunicar”.
Após algum tempo, ficou sabendo que a EJA (Educação de Jovens e Adultos), modalidade ofertada pela Prefeitura para alunos concluírem o Ensino Fundamental, estava disponível no Cemeb (Centro Municipal de Educação Básica) Prefeito João Aprillanti, na Vial Santa Terezinha. O dia em que fez sua matrícula, em 2015, ficou marcado, a ponto de ele fazer um poema para a diretora que o incentivou naquele momento. “Ela me falou: vem que você aprende. No poema, homenageio a figura dessa ‘sereia’ que me convidou a entrar nesse mar de conhecimento”, relata.
Após fazer a matrícula, Romero passou a trabalhar com a professora Marineusa Neto. A professora é a favorita dele até hoje, pela simpatia e dedicação. “Estudei com ela por três anos e fiquei tão feliz! Fiz um poema, que também canto na forma de repente: ‘Um Dia a Gente Nasceu’ (confira ao final do texto)”. O poeta faz uma bela homenagem aos professores, comparados a flores de um grande jardim, beijadas pelos beija-flores (alunos). Dessa forma poética, o autor simboliza que os alunos absorvem o aprendizado dos docentes, que se dedicam com seu trabalho e dão aos pupilos a chance de ter um futuro melhor.
E a admiração continua. “Amo todos os meus professores. Quando os vejo, vejo Deus”, elogia. Luíz faz questão de reconhecer o trabalho feito pelos docentes, um dos quais inclusive tem bastante paciência para lhe ensinar matemática. “Quando voltamos a estudar, voltamos com tudo. Meio que voltamos a ser crianças”, brinca.
Lição de vida
Hoje, o jardineiro autônomo está no 2º segmento do Ensino Fundamental II (com disciplinas do 6º ao 9º ano) e não quer mais parar de estudar. Ele só não vai à aula quando não dá tempo, por conta do trabalho, muitas vezes feito em outras cidades. Segundo o aluno, é importante incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo que ele. “Que a gente não guarde isso só para a gente, mas incentive outras pessoas a buscarem essas aulas”, defende.
Como todo bom poeta, Luíz ainda tem muitos sonhos. “Sonho ser poeta e psicólogo. Mesmo que não dê tempo de eu me formar, vou ocupar minha mente sempre com coisas boas”, declara.
Após tamanha busca, o conhecimento de fato preenche a vida desse homem de tanta história, hoje com duas filhas e quatro netos. “Sou o cara mais feliz do mundo. O único vazio que eu tinha hoje está preenchido”, afirma, com um sorriso de dar inveja.
Como participar da EJA
As inscrições vão até esta quinta-feira (28). Veja como participar em goo.gl/kpGWY1.
Um Dia a Gente Nasceu
Um dia a gente nasceu,
Uma pequena criança.
O tempo que foi passando,
Chegamos à adolescência.
E hoje somos veteranos,
Voltamos a ser criança.
Na escola feita de concreto,
Arrodeada de muro.
Que as aulas é o nosso futuro
E a professora é o tesouro
Que tem pensamento de ouro,
Só pensa em nos ajudar.
E tudo o que eu vou falar, professora,
Você tem muito mais valor.
Tudo quanto eu vou falar, professores,
Vocês têm muito mais valor.
O céu e a lua e as estrelas,
O sol que aquece o dia.
O vento que toca em meu rosto
E o ar que a gente respira.
E tudo o quanto eu tô falando
Vocês têm muito mais valor.
As nuvens que formam e chovem
E jogam a água sobre a terra;
Semente que foi semeada
E cresce e transforma em floresta;
As árvores que crescem e florescem
E dão fruto na hora certa;
Os pássaros que voam nos ares,
Cantando e fazendo festa,
E tudo quanto eu tô falando
Vocês têm muito mais valor.
Os peixes que vivem nas águas,
Os animais que rastejam na terra
Agora eu volto a falar:
Da escola feita de concreto,
Arrodeada de muro,
Que as aulas é o nosso futuro.
A professora é o tesouro
Que tem pensamento de ouro
E só pensa em nos ajudar.
E tudo o quanto eu falei,
Vocês têm muito mais valor.
O mundo é um grande jardim
E dá flores de todas espécies.
Professores e professoras
São as flores desse grande jardim
Alunos e alunas são todos uns beija-flores.
Que voam sobre o jardim,
Beijando todas as flores,
Que tem nesse grande jardim,
E tudo quanto eu falei
Vocês têm muito mais valor.
Vamos beijando todas as flores
Que tem nesse grande jardim.
Luíz Romero