A escritora esteve na Biblioteca Pública de Várzea Paulista no dia 6 de outubro, para um bate-papo descontraído sobre sua literatura e a obra ‘Apanhador no Campo de Centeio’, de J. D. Salinger, que inspirou seu primeiro livro
Bombeiros que arriscam suas vidas nas temperaturas altas, que estão habituados no dia-a-dia com cenas fortes, como serrar latarias de carros, manusear corpos mutilados ou presenciar o fogo transformando pessoas em carvão; homens que trabalham nos subsolos de crematórios com a função de colocar os mortos nos fornos para que sejam transformados em cinzas e jogados no jardim com belíssimas flores, ou mesmo, reservados em potes para lembrança dos familiares; homens que ganham a vida nas minas subterrâneas colhendo carvão; outros que passam os dias abatendo porcos, ou mesmo os lixeiros que, faça sol, chuva, vento ou sereno, estão nas ruas recolhendo a sujeira para ganhar dinheiro e sobreviver na sua vida simples.
Estes personagens “brutos” e viris compõem o universo da literatura de Ana Paula Maia, que esteve na Biblioteca Pública de Várzea Paulista, na noite da quinta-feira (6), em um bate-papo descontraído com jovens e adultos da cidade, falando de sua formação como leitora e da relação com a literatura. A escritora carioca abriu o encontro destacando a obra ‘Apanhador no Campo de Centeio’, de Jerome David Salinger, que serviu de guia para escrever seu primeiro romance: O Habitante das Terras Subterrâneas. “A linguagem simples de Salinger ativa a vontade do leitor em querer contar ou inventar sua própria história. E foi isso que aconteceu comigo depois de ler Apanhador no Campo de Centeio”, declarou Ana Paula, depois de ler um trecho do clássico americano de 1952.
Ela avaliou no bate-papo que “O Apanhador”, lançado após a segunda guerra mundial, foi um livro pioneiro na narrativa de um jovem e por isso apresenta uma linguagem de fácil entendimento. “Naquela época o conceito de adolescente ainda não existia. Era criança ou adulto e ponto. É primorosa a narrativa do jovem Caulfield. Sua linguagem simples se aproximava muito do real, das histórias dos jovens americanos na época. É uma literatura sem data. Depois de 60 anos continua muito atual porque o fim da ingenuidade continua sendo um rito que todos os jovens devem passar”, avalia Ana.
O encontro com sua literatura
O primeiro livro, editado em 2003 de forma independente, foi um divisor de águas para sua carreira literária. A escritora contou da dificuldade e da persistência que precisou para publicá-lo. “Foram pouco mais de dois meses para escrever e muita dificuldade para publicar o “Habitante”. Investi todo o dinheiro que havia recebido como pagamento de minha participação em uma peça teatral”, lembra. Determinada a seguir carreira como escritora, passa mais de dois anos produzindo o segundo livro e consegue editá-lo profissionalmente em 2007. ‘A Guerra dos Bastardos’, que está com os direitos vendidos para o cinema, foi editado também na Sérvia. O livro apresenta a narrativa de uma “guerra” que pode acontecer a qualquer momento em um lugar do submundo do crime carioca.
Com a carreira literária andando, recebe proposta para publicar ‘Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos’, que reúne duas novelas literárias em 12 capítulos. Narram histórias de homens que sobrevivem ganhando muito pouco e não esperam quase nada da vida, além de trabalhos pesados, como: matar porcos; recolher lixos; quebrar asfaltos e desentupir esgotos. “Publiquei capítulo por capítulo na internet em
Para compor a trilogia – denominada ‘A saga dos brutos’ -, que foca o universo rústico, rude e simples dos homens, no primeiro semestre deste ano publicou ‘Carvão Animal’. Questionada sobre a continuidade do tema, a escritora disse que é atraída pela virilidade masculina. “Escrevo sobre o que gosto. Ainda continua me interessando a condição do homem bruto e seus horrores, então continuarei escrevendo sobre o mesmo tema”, responde Ana Paula. Esclareceu também sobre a composição dos personagens: “Não trabalho na relação direta com os tipos de personagens, mas com a observação, a empatia e a percepção com o meio. Quando confronto com a realidade, percebo que a pesquisa foi perfeita”, revela a escritora carioca, que defende a inserção dos escritores contemporâneos na educação brasileira. “Temos grandes escritores, com excelentes literaturas e de linguagens simples, que podem atrair mais os jovens para a leitura”, finaliza.
O projeto Viagem Literária é uma parceria da Secretaria de Estado da Cultura com Bibliotecas Públicas, desenvolvida com o apoio de 70 prefeituras, entre elas, Várzea Paulista, que já trouxe outras três atividades literárias este ano: Milton Hatoum; Cia. Conto em Cantos e a escritora infantojuvenil, Índigo. No dia 18 de novembro, às 18 horas, a biblioteca receberá o escritor, redator de propaganda e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, João Corrascoza, que ministrará uma Oficina de Criação Literária. Os interessados devem se inscrever antecipadamente. A Biblioteca Pública fica no Espaço Cidadania – Avenida Ipiranga, 151, Centro.